HOMILIA DE J.B.LIBANIO – 16.04.2011
PARÓQUIA N.S. DE LOURDES – VESPASIANO (MG)
Mt 27, 11-54
Paremos um pouco nesta expressão que iniciou essa proclamação: paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na nossa língua portuguesa, a palavra paixão tem dois sentidos e, na vida de Jesus, podemos cruzá-los e mostrar que Ele realizou os dois. No primeiro caso, significa sofrimento, e o texto traz toda a descrição. Mas, numa linguagem mais comum, nos referimos a paixão como um amor muito grande, que incendeia os corações das pessoas, a ponto de deixá-las deslumbradas. Voltando-nos para Jesus, iremos perceber que Ele viveu essas duas paixões. Não chegaria à paixão do sofrimento se antes não tivesse passado pela paixão do amor.
Como Ele mesmo disse, dar a vida para e pelos amigos ainda é algo heroico mas inteligível. Ele deu a vida, não só pelos amigos, pelos discípulos, por todos nós, cristãos, batizados, que vivemos na graça, mas por toda a humanidade de todos os tempos e raças, enfim, todo ser humano que despertou nesta Terra em toda a história da humanidade foi tocado pelo sangue do Senhor. É algo para nos deixar estarrecidos. Como é possível que alguém, na solidão do seu eu, na pequenez de sua existência humana, pode ter um olhar tão amplo que atinja todos os tempos? Os padres da Igreja gostavam de imaginar que, no Horto das Oliveiras, subindo para o Calvário, preso à cruz pelos cravos, o olhar de Jesus alcançou a humanidade inteira.
Claro que Ele não poderia conhecer cada um de nós individualmente, pois seu olhar ainda era terrestre, confinado a tempo e espaço, mas o seu coração tinha uma dimensão que ultrapassava o que os seus olhos podiam ver: adversários e inimigos, além de pouquíssimos amigos que tiveram compaixão dele – João fala de três ou quatro pessoas. Todos os outros olhares foram de crítica, ódio e condenação. Ele caminhou na total solidão, talvez uma dor mais dolorosa do que o sofrimento físico. Ficamos muito impressionados pela dor física, sobretudo, a geração moderna que tem à disposição os mais potentes anestésicos, mas há dores muito maiores do que físicas. Há pessoas normais que sofreram dores físicas, mas a dor do abandono, do desprezo, da ingratidão, do silêncio, é muito pior. Eu imagino o Senhor atravessando a sua cidade querida, aquela sobre a qual Ele chorou, a cidade que sempre foi o maior símbolo para o judeu. Atravessou aquela cidade que Ele amava tanto, na mais completa solidão, abandono e desprezo. Seu coração se rasga, mostrando a total realidade do que é amar. Nós temos muita dificuldade de dimensionar o que significa amar e parece que é a única coisa que o Senhor veio nos ensinar. Podemos reduzir o evangelho, como Ele mesmo reduziu, a apenas duas frases. Como muita gente não tem tempo de ler o evangelho, guardem pelo menos estas duas frases, pois todo o resto converge para elas: “amai a Deus sobre todas as coisas e a seu irmão como amam o próprio Deus!”. É esse amor a Deus, na sua unidade profunda, voltado para cada pessoa, até mesmo aquelas que nos odeiam. Essa é a sublimidade do amor cristão.
Imagino que aquelas famílias que foram atingidas pelo assassinato de seus filhos pequenos estão colocadas hoje diante deste dilema. Será que terão coragem de perdoar aquele criminoso no mais profundo de seus corações? Será que almejarão que também ele seja salvo pela graça do Senhor? Será que também nós temos coragem de pedir a Deus que salve esse assassino? O próprio Jesus foi quem se voltou para o criminoso que foi crucificado junto dele, dizendo-lhe que no mesmo dia eles estariam juntos diante de Deus no paraíso.
É de tal natureza e de tal grandeza esse amor, que podemos meditá-lo ao longo de toda a vida, e nunca chegaremos a entender. Parece que contradiz os nossos sentimentos mais primitivos, e nós o rejeitamos, no ódio e no desprezo. Continuamos vendo irmãos que não se falam, filhos e pais que não se olham, enquanto o Senhor vem nos dizer que a essas pessoas dificeis de serem amadas é que devemos voltar o nosso amor. Essa é a grande lição da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. (Domingo de Ramos)
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